É mais fácil prometer do que dar…

Muito se tem dito sobre a mulher dos tempos de hoje, a mulher contemporânea. Nasce junto com ela a possibilidade de desejar, de se envolver numa vivência sexual, e que tanto no terreno privado como no público, as suas conquistas falam de direitos até então reservado aos homens. O direito ao sexo é uma dessas conquistas, mas, como todas, tem um preço, que inclui um novo enquadramento social onde, na maioria das vezes, mente e corpo podem funcionar um contra o outro.

Quem não sabe é como quem não vê…

Nas gerações anteriores, conforme salientou Silva (1989), competia à mulher a formatação da vida privada para que pudesse ser respeitada. Desta forma, fazia parte da feminilidade a não valorização do ímpeto sexual – privilégio masculino, devendo até abdicar do sexo, contanto que não prejudicasse a formação familiar. Deste modo, a falta de orgasmo era algo mais do que quotidiano: era normal, uma reacção natural da mulher de “boas famílias”.

Quem encontrou sem muito procurar, é porque muito procurou sem encontrar…

Hoje, numa época de menor discriminação sexual, elas podem consciencializar-se do lugar que já ocuparam e lutar por um espaço mais actual. Produtora e consumidora, depois de ter sido decomposta em objecto de decoração e sem opções, actualmente, percebe a cobrança imposta pela performance. É preciso enfrentar a fantasia e a certeza, sem limitações, numa tentativa de atenuar o abalo da ausência do orgasmo, uma vez que para a mulher é muito difícil não unir a sexualidade com o contexto em que ela vive.
Desta forma, de acordo com Masters e Jonhson (1986), não é surpresa que a anatomia sexual seja origem de angústia, culpa, dificuldade, mistério e curiosidade, e ao mesmo tempo consiga ser fonte de prazer.
Sobre o Orgasmo

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…

Hoje já se sabe que o orgasmo é independente da região que o desencadeia, podendo ser provocado pelo estímulo de qualquer região do corpo. Mas anteriormente constava que existiriam dois tipos de orgasmos: o clítoriano e o vaginal. Freud (1856), nas primeiras décadas do século passado, afirmava que todas as mulheres tinham inveja do pénis e que existia uma analogia estrutural entre o pénis e o clítoris. Assim, o orgasmo clítoriano seria uma revelação da inveja feminina não resolvida. Ao amadurecer, a mulher desistiria de tal ambição, passando a reconhecer a sua condição, transferindo o foco do clítoris para a vagina.

Haja fartura, que fome ninguém a tenha…

Tal teoria, percebida como verdade, apenas foi rebatida quando Veiga (2007) garantiu que a sensibilidade feminina não se desloca, uma vez que mulheres que tinham o orgasmo vaginal, também tinham o clítoriano, embora a recíproca não seja verdadeira e o primeiro não substitua o segundo. Nos anos 60, Silva (1989) tornou evidente que o orgasmo, independentemente da procedência, é um único processo, sediado no sistema nervoso central, para o qual as áreas do clítoris ou da vagina funcionam como via de acesso. Percebeu-se, conforme Veiga (2007), que a mulher, dentro dos parâmetros fisiológicos, é capaz de ser multiorgásmica.

As aparências iludem…

É desta forma que a mulher deixou de ser a guardiã dos valores puritanos para ser alvo de outra compulsão: o orgasmo, antes proibido, passou a ser obrigatório. E mais: antes no singular, agora deveria ser plural. Silva (1989) afirma que a mesma sexualidade que antes era fonte de inadequação por existir, acabou por ser desajustada por não existir. O sexo quase proibido transformou-se, em algo praticamente obrigatório.

Quanto mais depressa… Mais devagar…

Hoje em dia predomina uma busca descontrolada pelo orgasmo, que passou a ser o objectivo da relação, esquecendo-se o prazer do próprio relacionamento. Procura-se uma prática sexual que tem um acordo decisivo com o orgasmo final, e com a penetração como forma de obtê-lo. Praticar sexo, porém, é uma escolha; ter prazer, uma possibilidade. Sexo e intimidade são muito mais do que acto sexual e orgasmo. Essa obrigatoriedade infundada na busca do prazer-resolução e não pelo prazer de experimentar tal situação, tira a mulher do contacto com a relação, passando a ser uma mera espectadora, vivendo uma falsa liberdade de sentir um orgasmo que nunca chega como esperado.

Uma mentira repetida cem vezes, torna-se verdade…

Os filmes e outros programas que passam na televisão, conforme lembra Johanson (2003), exibem orgasmos excepcionais. As mulheres supõem que é assim que devem reagir. Ficam tão preocupadas em representar que não lembram que alguns outros orgasmos podem ser, ainda assim, mais agradáveis.
É assim que as disfunções nascem: pela inquietação da cobrança em ter o que a cultura estabelece como regulamento. As disfunções, de acordo com Silva (1989), retratam a transformação do sexo: de origem de prazer em fonte de obrigações, de direito em dever, de auge das sensações em culpa pelo fracasso.·

Há males que vêm por bem…

Por muitos anos, para Berman e Berman (2003), ficou retida a ideia de que se a mulher fosse capaz de ter relações sexuais sem dor, não havia nenhum tipo de problema. Aliado a isso, o facto da educação sexual não ser visível em nenhum contexto da educação, nem na formação dos de mais profissionais da área de saúde, potencializou o problema.·
Além disso, não é possível esquecer que, como foi referido por Silva (1989), por muito tempo, o orgasmo masculino, senão ressaltado, tem sido protegido como condição reprodutiva - característica vista, inclusive, nas fases mais repressivas da história que, conservando o desprezo pelo prazer, ainda assim estimulavam a ejaculação. Na mulher, o orgasmo, em virtude de ser sensação que em nada coopera para a fecundidade, pode ser rotulado como perversão, ou seja, nada além do prazer carnal.
Segundo refere o mesmo autor, durante grande parte do século XX, médicos não reconheciam as doenças sexuais das mulheres, classificando-as como psicológicas ou emocionais. É assim que podemos entender, como apontado por Silva (1989), que o que despertou o interesse no diagnóstico e na ampliação de práticas e estratégias clínicas não foi a falta de orgasmo por si, mas a sua ausência num momento como este, quando se acredita que ele é indispensável para a equilíbrio emocional das pessoas e do relacionamento.

Quem cala consente…

Mitos e conceitos equivocados sobre o orgasmo, ou melhor, sobre a sexualidade de forma geral, sempre estiveram presentes na nossa cultura, onde a mulher deveria ser um ser assexuado, sem desejo, à disposição do outro, aceitando o que lhe fosse oferecido. A mulher deveria dedicar-se aos afazeres domésticos e à criação dos filhos – talvez numa tentativa de canalizar a energia sexual. No ponto de vista de Silva (1989), sexo era uma doação ao marido, um meio de fecundação e, mais tarde, uma forma de impedir que ele procurasse fora os encantos que o casamento prometia.
Ou seja, antes, a relação sexual tinha como objectivo a satisfação do homem. Hoje, apesar de muitos tabus sexuais terem sido derrubados e de a mulher poder ter mais liberdade sexual, ainda é grande o número delas que sofrem na cama.
É importante frisar que nem mesmo a anatomia sexual feminina é inteiramente conhecida e entendida. Conforme apontaram Berman e Berman (2003), apenas em 1998 uma urologista australiana, Helen O´Connell, afirmou que o clítoris é duas vezes maior e mais complexo que o usualmente estudado nos textos médicos.·
Sobre a Anorgasmia
A Anorgasmia é a dificuldade em atingir o orgasmo, mesmo que haja interesse sexual e todas as outras respostas satisfatórias para a realização do acto. Reconhecida desde o início do século XX, foi sugerida por diversos nomes, com diversos pesos sociais, dependendo do sexo e do momento ideológico.
É um facto que as reacções orgásmicas, tanto no homem quanto na mulher, enquanto processos neurológicos, possuem virtualmente as mesmas características. As diferenças das reacções sexuais ocorrem no nível dos aparelhos genitais: tanto nos homens quanto nas mulheres, o orgasmo envolve uma actividade contráctil não voluntária de músculos estriados e lisos, quando nas mulheres produzem contracções uterinas e vaginais expulsivas e, de modo não tão explícito como acontece com os homens, movimentos também expulsivos na uretra.

Ave que canta demais… Não sabe fazer o ninho…

As mulheres negam a ausência do orgasmo como uma forma de defesa. Assim, mentem, fingindo um prazer que não existe. Tal comportamento deve ser repensado, pois ao fingir (para si própria), a mulher priva-se da obtenção de um prazer e da possibilidade de desvendá-lo por completo. É preciso ter claro que o orgasmo não é um presente para o parceiro. E nem algo que determine a virilidade masculina. Desta forma, se o distúrbio está apenas a incomodar o parceiro, não se pode pensar numa disfunção sexual feminina.

Quem tudo quer… Tudo perde…

Mas segundo Silva (1989), uma distinção presente na personalidade destas mulheres é a inclinação de arrefecer as emoções, manifestando um nível exagerado de controlo com os próprios sentimentos (incluindo o sexo) que não chega a ponto de comprometer o interesse sexual, mas obstrui momentos mais altos da tensão sexual, comprometendo a capacidade orgástica. Tal controlo apresenta-se em outras situações da vida, que não só a sexualidade, explicitando-se como modelo de controlo social, pelo grau de equilíbrio e competência em contornar conflitos. O oposto, todavia, também pode ser verdadeiro, relacionando-se a pessoas com grande explosividade em outras áreas da vida, quando a irritabilidade seria decorrência dos conflitos acumulados.
Por outro lado, conforme levantado por Johanson (2005), é preciso desfazer a fantasia de que a mulher precisa de um orgasmo sempre que tem relações sexuais. O receio de que se transformem em histéricas faz com que se esqueça de que algumas vezes ela é capaz de ter relações, sentir-se bem com isso, aproveitar a ocasião, o toque e sentir prazer com o facto de ver o parceiro satisfeito. Cabe à esfera masculina a alternativa de se libertar da pressão de levar as mulheres ao orgasmo sucessivamente. Ou seja, os homens precisam de se libertar, a eles próprios e as mulheres, dessa pressão: ela não precisa improvisar uma cena e os dois podem aproveitar melhor. Há mais no sexo do que o orgasmo.

Tratamento da Anorgasmia
Mais vale prevenir do que remediar…
A 2ª Guerra Mundial, de acordo com Silva (1989), teve como resultado a independência crescente feminina. Assim, no final do século XIX, a ideologia terapêutica transformou-se totalmente, basicamente da extirpação do sexo (clitoridectomia terapêutica) para a problematização do sexo (século XX) e, por fim, de causa de problemas, a sexualidade converteu-se em perfeição a ser exercida. O tratamento que inicialmente tendia à supressão absoluta da sexualidade, modificou-se na procura pela realização sexual.
Talvez seja válido acrescentar que as mulheres sentem muito desconforto, e até um certo medo, quando optam por procurar um profissional especializado. Geralmente não se fala de relações sexuais de forma aberta em qualquer ambiente, e muito menos em consultórios. É tarefa do terapeuta deixar a mulher à vontade, sabendo da necessidade de respeitar os limites.

Cada um vê mal ou bem, conforme os olhos que tem…

De qualquer forma, no trabalho da disfunção orgásmica, o foco principal é a disfunção, devendo-se fazer uma leitura do conflito, com a finalidade de saber se existe alguma dificuldade emocional ou psicológica, ou se o problema é físico.·O objectivo é combater a ansiedade existente, desmistificando crenças erróneas, e trabalhando os aspectos psicológicos que não permitem um completo funcionamento corporal. Assim, a proposta é que a mulher possa canalizar de maneira satisfatória os estímulos sexuais, aperfeiçoar o foco de atenção em tais estímulos e restringir as fontes de ansiedade que possam concorrer com o sexo. Para isso, propõe-se que a mulher tome consciência dos seus impulsos sexuais, de modo a ajudá-la, sem a obrigação do orgasmo, a liberar emoções e a viver a espontaneidade de sentir prazer.

Viver não custa… O que custa é saber viver…

Segundo Silva (1989), é importante utilizar três vertentes: diminuir o limiar de tolerância à excitação, que nesses casos são excessivamente elevados; progredir, conforme seja aceitável, a qualidade dos estímulos positivamente excitantes e limitar possíveis origens de ansiedade, consciente ou não, que possam competir com a excitação.Para tal, a psicoterapia pode estar baseada numa terapia individual, terapia de casal ou, ainda, o conjunto dos dois processos.
A terapia individual tem como objectivo criar condições para ampliar o autoconhecimento e possibilitar o prazer consigo, a partir de uma aprendizagem sobre como é construído o sintoma. É na terapia, portanto, que se revêem falsos conceitos e se fornece orientação, possibilitando novas perspectivas, admitindo-se a sua associação a exercícios e, muito raramente, ao uso de medicação.
O trabalho deverá envolver, segundo Junior (1995), desde problemas fáceis de serem tratados até aqueles que recomendam formação mais específica. Os que podem ser considerados como mais fáceis, falam da necessidade de reestruturação cognitiva e apropriada orientação sobre as realidades da sexualidade. Essa fase diz respeito às situações situacionais, além de problemas decorrentes da aprendizagem – percepções erradas sobre a sexualidade. Uma segunda classe de problemas sugere informação adequada de outros elementos especializados, abrange aqueles que têm procedência no relacionamento conjugal ou que sempre existiram na vida pessoal. Muitas vezes, implica na terapia de casal, avaliando o desenvolvimento do problema sexual.

Ninguém está bem com a sorte que tem…

Solicita-se, de acordo com Berman e Berman (2003), uma impressão relativa ao desejo sexual, à capacidade de se excitar, ao nível de lubrificação, à percepção na área genital durante o acto sexual e sensação de entorpecimento, à capacidade de atingir o orgasmo, a qualquer tipo de dor que possa sentir no momento do acto sexual, ao nível de satisfação com a relação, à forma como é estimulada e aos sentimentos de intimidade emocional durante o acto sexual.
Muito frequentemente, durante o tratamento, a mulher passa a ter maior curiosidade sobre o próprio corpo. É importante que ela se conheça, saiba do que gosta e o que não lhe agrada e essencialmente, pedir ao parceiro que a excite. É importante que o parceiro se comprometa com o crescimento sexual da mulher. Porém, como referido por Heiman e LoPiccolo (1992), o apoio dele pode ajudar, mas não é fundamental para que ela progrida.
Mais vale um dia de amor, do que dez anos de latim…
A terapia de casal tem como finalidade, facilitar a comunicação do mesmo, além de mediar um conhecimento maior sobre o funcionamento da relação, ajudando a descobrir, entre outros factores, de que forma o casal se perde na sua vida quotidiana, e como isto se reflecte na dinâmica sexual.
Como afirmam Heiman e LoPiccolo (1992), o desenvolvimento sexual não se sintetiza numa cadeia de passos ou técnicas que apontam para uma finalidade. É um procedimento que abrange o sujeito no seu todo, com os seus costumes, pensamentos e emoções, e com o seu corpo. Atingir o orgasmo é elemento de um processo de crescimento que dura a vida toda.

O prometido é devido!

Entende-se como necessário mais investigação nesta área, nomeadamente em Portugal, procurando saber se a mulher portuguesa conhece o seu corpo, a sua sexualidade, se realmente já experimentou um orgasmo na realidade, e se sentiu plena e satisfeita, ou se finge com a finalidade da preocupação de satisfazer psicologicamente o parceiro. Qual será a prioridade da mulher portuguesa? Ela ou o parceiro?
Vera Ribeiro

Temos de falar sobre sexo aos nossos filhos?

A sexualidade e a adolescência são dois temas fortes e muito falados nos tempos de hoje, nomeadamente por ainda estar camuflada a expressão livre e de esclarecimento sobre a sexualidade nos jovens, que está a ser cada dia mais precoce. Todo o meio que envolve o adolescente tem dificuldade em abordar esta temática, não permitindo que os jovens tenham uma fonte segura para verem esclarecidas dúvidas que muitas vezes os atormentam. A adolescência é uma fase da vida na qual a personalidade está na fase final de estruturação e a sexualidade insere-se nesse processo sobretudo como um elemento estruturador da identidade do adolescente. Daí a necessidade de procurarmos conhecer melhor os mitos, tabus e a realidade da sexualidade para que possamos abordá-la de forma mais pacífica com os adolescentes, de manter um diálogo franco e entender as manifestações dessa sexualidade aflorada, própria da idade.
A questão da sexualidade mudou tão rapidamente, nas últimas décadas, que deixou os pais “perdidos”. Antigamente as famílias não colocavam muitas dúvidas sobre o que era o correcto ou incorrecto na sexualidade; o que podiam permitir ou não. Hoje vivemos um momento difícil para a construção de um sistema de valores sexuais.
Por isso, considero importante alertar os pais que, existem alguns valores que não podem deixar de ser transmitidos aos jovens, tais como: O respeito por si próprio e pela sua dignidade enquanto pessoa; O respeito pelo outro. Não é permitido ver o outro como meio de satisfação das suas necessidades; O acesso à informação. Responder ao que a criança quer saber de forma honesta e não preconceituosa; e, Ajudar a criança a desenvolver o espírito de crítica, a capacidade de raciocínio e a reflexão para escolher o que lhe convém.

Para lidar com a sexualidade dos seus filhos, é necessário defrontar-se com a sua própria sexualidade e esta situação pode gerar, muitas vezes, angústia. A sexualidade dos filhos traz para o presente, para muitos pais, aspectos reprimidos da própria sexualidade. É preciso encarar esta realidade, desbravar medos e aceitar que todos nós somos seres sexuais e todo o conhecimento que nos é fornecido no início do desabrochar da sexualidade é importantíssimo para o nosso amadurecimento futuro, quer na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis quer em natalidades não desejadas.

Vera Ribeiro