Cancro em indivíduos infectados pelo HIV: quem o tem e de que tipo?

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Cancro
Keith Alcorn
Publicado a 12 de março de 2012
•Cancro oro-faringeo
•Linfoma Não Hodgkin 
•Neoplasias não definidoras de SIDA no estudo D:A:D
•Bibliografia

Uma contagem muito baixa de CD4 no passado, e historial de hábitos tabágicos, são os factores de risco mais consistentes que surgem de grandes estudos realizados sobre os riscos de desenvolver ambos os tipos de cancro que definem e os que não definem SIDA, informaram os investigadores na 19ª Conferência de Retrovírus e Infecções Oportunistas na semana passada.

Em particular, os estudos descobriram que este tipo de cancros concentravam-se em pessoas mais velhas, nos que tinham uma contagem de células CD4 muito baixa antes de começar a terapêutica antirretroviral altamente activa, e os que tinham cargas virais muito elevadas antes de começarem o tratamento – mas os factores de risco diferem de acordo com o tipo de cancro, indicando interacções complexas entre a doença provocada pelo HIV, envelhecimento e a altura em que os indivíduos diagnosticados com cancro começaram primeiro com a terapêutica para o HIV.

Os receios que as pessoas infectadas pelo HIV possam sofrer um peso desproporcional de casos de cancro como a idade expressa como consequência de evidência epidemiológica de um grande número de estudos de coorte indicando um índice mais elevado de alguns tipos de cancros, particularmente os com causa infecciosa, nas pessoas infectadas pelo HIV.

Estes tipos de cancros são conhecidos como malignidades que não definem SIDA. Não são doenças que definem SIDA e podem ocorrer mesmo em contagens de células CD4 elevadas, assim como no resto da população. Incluem cancros em órgãos tais como fígado e pulmão, em tecidos como o cancro da pele, cancros orais e faríngeos e cancro anal causado por HPV. (Cancro cervical invasivo não é cancro que define SIDA).

Um número de análises de uma larga população de doentes foi apresentado na semana passada na 19ª Conferência de Retrovírus e Infecções Oportunistas em Seattle, fornecendo confiança tendo em conta alguns aspectos do risco de cancro nas pessoas a viver com HIV, mas também sublinham a importância da vigilância para potenciais cancros nas pessoas com um historial de imunossuppressão severa.

Cancro oral e faríngeo

Uma revisão da North American AIDS Cohort Collaboration, que colheu dados em mais de 110.000 pessoas a receber cuidados de saúde relativamente ao HIV nos Estados Unidos e Canadá, teve em conta a incidência de cancro oral e faríngeo em 51.151 indivíduos infectados pelo HIV.

Estes cancros não são relativamente comuns na população geral, apesar do nível de atenção dada por parte dos meios de comunicação ao cancro oral relacionado com o HPV nestes últimos anos, e também não são comuns nas pessoas infectadas pelo HIV. Os investigadores encontraram somente 41 novos casos deste tipo de cancros nas suas coortes, e combinando com os casos já apresentados na altura do diagnóstico do HIV (casos prevalentes), isto representou um índice de 21,7 casos por 100.000 pessoas por ano. Isto quer dizer que para cada 100.000 pessoas com HIV a receber cuidados de saúde durante um ano, 21 pessoas podem estar a desenvolver um destes cancros.

Só 28% dos casos incidentes é que estavam a fazer terapêutica antirretroviral quando foram diagnosticados com um destes cancros, com uma contagem média de células CD4 de 324 cells/mm3. Todos os casos ocorreram em pessoas que tinham hábitos tabágicos.

Os investigadores também examinaram se o risco de cancro oral e faríngeo aumentou com o passar do tempo. Chegaram à conclusão que a incidência padronizada por idade tinha aumentado significativamente de 10,6 casos por 100.000 doentes por ano entre 1996-2000 a 30,1 casos por 100.000 doentes por ano entre 2006-10 (p = 0,03) ao passo que na população em geral a incidência destes cancros mostrou uma tendência decrescente durante o mesmo período de tempo.
No entanto esta grande diferença parece ter sido conduzida principalmente por cancros nas pessoas com mais de 50 anos com uma contagem de células CD4 inferior a 350; a taxa de cancro nos outros grupos permaneceu estável ao longo do tempo.

A análise por tipo de cancro mostrou que não eram cancros orofaríngeos os que estavam a aumentar ao longo do tempo, pois estes permaneciam estáveis desde 1996. Os cancros não orofaríngeos incluem os cancros da epiglote anterior, valecula e da boca sem ser o da base da língua. Mais uma vez, o aumento da incidência ocorreu nos indivíduos com idade superior a 50 anos em vez de ocorrerem naqueles com contagem inicial baixa de células CD4.

Embora todos os cancros foram diagnosticados nas pessoas com uma historial de tabagismo, o apresentador Alison Abrahams da Escola de Saúde Pública Bloomberg da Universidade de Johns Hopkins observou que a falta de informação sobre a intensidade do tabagismo e consumo de álcool era uma limitação desta análise.

O linfoma não-Hodgkin

Embora a taxa de cancro que define SIDA como o linfoma não-Hodgkin (NHL) tenha decaído desde a introdução da HAART em 1996, as taxas registadas em estudos de coorte continuam a estar entre quatro e 23 vezes mais elevadas que na população em geral. Esta variação foi atribuída ao passar do tempo, imunossuppressão, idade e carga viral, assim como localização e dados demográficos.

Chris Achenbach apresentou dados da incidência do NHL no grupo de trabalho CFAR de Sistemas Clínicos Integrados representando oito grandes clínicas de HIV nos Estados Unidos servindo populações diferentes e constituído por mais de 10.000 doentes em cuidados de saúde. A coorte foi em grande parte diagnosticada na era moderna da HAART, com uma média anual de supressão de carga viral de 2004. Tiveram uma contagem média de células CD4 no limite inferior de 180 cels/mm3 e um pico superior de carga viral 4,6 log10 cópias/ml. Oitenta e cinco por cento atingiram uma supressão viral de carga abaixo das 50 cópias/ml mas 54% tiveram um ressalto na carga viral acima das 500 cópias/ml.

Uma primeira análise desta coorte avaliou a incidência do NHL depois da supressão viral. Setenta e seis casos de NHL ocorreram após o início da supressão viral, dos quais 35 ocorreram enquanto a supressão viral foi mantida. A maioria dos linfomas era referente a casos de linfomas das células B.
Cinquenta e quatro por cento dos casos ocorreram nos primeiros dois anos após a supressão viral. O índice mais elevado do linfoma foi observado nos indivíduos com uma contagem de células CD4 abaixo das 50 cels/mm3 (20 casos por 10.000 pessoas por ano comparativamente com os 15 casos com uma contagem de células CD4 mais baixa superior a 200), e uma análise feita por Kaplan-Meier demonstrou uma incidência mais alta de casos de NHL neste estrato durante os primeiros cinco anos após a supressão viral.

O estudo constatou globalmente que a taxa de NHL nesta coorte infectada pelo HIV foi pelo menos sete vezes mais elevada que na população em geral dos EUA, em 15 casos por 10.000 doentes por ano de acompanhamento, em comparação com a taxa de 1,7 e 2 casos por 10.000 doentes por ano em coortes de indivíduos seronegativos para o HIV. Embora o género masculino e a raça caucasiana predizem ser os mais fortes para o NHL, como na população geral, o nível de supressão imune também foi preditivo após o controlo para a idade, sexo e raça (cada aumento de 100 células numa contagem de CD4 reduz o risco de NHL para 40%). Houve também um ligeiro aumento do risco nos indivíduos com carga viral detectável após terem sofrido previamente uma supressão viral, e um aumento mais pronunciado do risco entre os com carga viral entre 50 e 500 cópias/ml numa população diagnosticada com NHL com uma carga viral abaixo de 500 cópias/ml.

Os autores deste estudo concluíram que apesar de uma detecção precoce de linfoma, juntamente com um diagnóstico antecipado de HIV, assim com um tratamento adequado, podem reduzir a incidência de NHL, um elevado risco de linfoma é mais provável de persistir nas pessoas infectadas pelo HIV devido a uma alteração imune que não pode ser normalizada por terapêuticas actuais à base de antirretrovirais, e devido ao estado de activação das células B que persistem nos indivíduos infectados pelo HIV. Conhecendo o modo destes factores contribuírem para o desenvolvimento de NHL nas pessoas infectadas pelo HIV, e sabendo como estes estados podem ser corrigidos, existe mais probabilidade de contribuir para reduzir o peso do cancro nas pessoas infectadas pelo HIV.

Neoplasias não definidoras de SIDA num estudo de coorte D:A:D

O estudo de coorte D:A:D (colheita de dados de efeitos adversos dos fármacos anti-HIV) colheu dados através de mais de 49.000 doentes em 33 países da Europa, América do Norte e Austrália. Os investigadores analisaram os factores de risco para malignidades que não definem SIDA diagnosticados nos centros participativos entre Janeiro de 2004 e Janeiro de 2010.

Durante o seguimento de 176.775 pessoas por ano, 880 doentes desenvolveram uma nova malignidade não definidora de SIDA, uma incidência de 4,98 casos por 1000 pessoas por ano de acompanhamento. Noutras palavras, numa coorte clínica de 1000 doentes seguidos durante um ano inteiro, esperam-se ver talvez cinco cancros não definidores de SIDA num ano.

As três malignidades mais comuns foram: cancro do pulmão (0,79 por 1000 pa – pessoas/ano), o linfoma de Hodgkin (0,63 por 1000 pa) e cancro anal (0,45 por 1000 pa). Um vasto leque de outros cancros foi visto em incidências muito mais baixas. A análise não apresentou nenhuma comparação com taxas vistas na população em geral, presumivelmente porque isto era um estudo de coorte multinacional, fazendo comparação com dados instáveis de incidência nacional.

A idade média de diagnóstico de uma malignidade andava à volta dos 50 anos, e o diagnóstico ocorreu numa contagem média de 392 cells/mm3 CD4 (245-580). A contagem média do valor mais baixo de pessoas diagnosticadas era de 127 cells/mm3 (49-245), e a média da carga viral era de 50 cópias/ml (indetectável). A co-infecção por hepatite C estava presente em 8,5% e hepatite B em 6,3%. Pouco mais de um terço destes diagnósticos era um fumador activo (34.4%).

A análise multivariada que foi ajustada para variáveis demográficas, antecedentes de malignidades, co-infecção, índice de massa corporal e diagnóstico prévio de SIDA encontrou um ligeiro efeito protector da última contagem de células CD4 (3% por 50 células, relação de risco 0,97, 95% de intervalo de confiança 0.95-0.98, p= 0,001) e um efeito mais pronunciado na contagem mais baixa de células CD4 inferior a 100 cels/mm3 (RR 1,22, 95% IC 1.03-1.44, p= 0,02). A duração da imunossuppressão abaixo de 200 cels/mm3 também teve um ligeiro impacto no risco (RR 1,04, 95% IC 1.02-1.05, p = 0,0001), assim como a duração da recuperação imunológica acima de 200 cels/mm3 (RR 0,94 por ano, 95% IC 0.92-0.97, p = 0,001).

Nos casos de cancro do pulmão, cancro anal e linfoma de Hodgkin, que foram analisados separadamente, a contagem mais elevada de CD4 foi correspondida a uma redução mais pronunciada no risco para cada tipo de cancro (pulmão 0,93, HL 0,89, anal 0,93) por aumento de 50 células CD4.
Signe Worm, apresentando os resultados em nome da colaboração D:A:D, denotou que uma contagem baixa de células CD4 no limite inferior permaneceu associada com um aumento persistente do risco, mas isto para o subgrupo de doentes com um aumento de células CD4 no limite inferior acima de 200 cels/mm3, uma baixa contagem de CD4 no limite inferior deixa de ser relevante no risco actual de desenvolver uma malignidade não definidora de SIDA ao longo do tempo.

Bibliografia

Abraham A et al. Incidence and Risk Factors for Oral Cancer among HIV+ Individuals: North America. 19th Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Seattle, abstract 133, 2012. The abstract is available on the official conference website.
Achenbach C et al. Incidence and Predictors of NHL among HIV+ Patients on Suppressive ART. 19th Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Seattle, abstract 131, 2012. The abstract is available on the official conference website.
Worm S NADM and Immunosuppression: The D:A:D Study. 19th Conference on Retroviruses and Opportunistic Infections, Seattle, abstract 130, 2012. The abstract is available on the official conference website.
05 Abril 2012
Tradução / Edição: Patricia Carvalho. In: Aids Portugal

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